sol e dão
Por vezes, eram os gritos abafados pelo desgosto que impediam que da dor interior saísse um pensamento escorreito
A primeira vez que percebeu o que sentia (aquela imensa solidão, vazio, profunda e dolorosa existência, estado de abandono, tristeza) estava na parte final de um barulhento e animado jantar de amigos de longa data, onde, para além da idade, a afinidade social, económica, a par da base cultural, eram um grande denominador comum.
Isso, só acentuava o calmo desalinho em que se encontrava com os que ali estavam, e com os diferentes círculos de vivência que mais lhe tocavam nas horas e dias que, ultimamente, passavam a correr, ou não passavam de todo, presas num tédio congelante da alma, inativador do querer e inibidor da ação; qualquer acção de preservação.
Ficava assim suspenso numa vida de dor interior, antítese da felicidade, prelúdio do desamor.
A terceira pessoa na escrita, passava lentamente à primeira pessoa verbalizada no dia a dia, principalmente nos chamados "dias de festa" que, para ele, não eram dias e seguramente, não eram de festa.
Os convidados, não eram dele.
A música não era a dele e até pediam (mais uma vez) para "baixar o volume", uma das formas delicadas de lhe dizerem para a retirarem totalmente....
As conversas não eram dele nem o conseguiam envolver.
E à socapa, um após outra figura masculina, procuravam-no e pediam-lhe conselho, como se fosse o patriarca - e nem nisso a idade lho conferia.
Desvalores da solidão em que encontrava.
Fado que lhe enchia a alma, embargava a voz e destruía a perspectiva de vida.