de repente, viu-se a combater a falta de fé alheia. em pouco mais de trinta dias, quase uma dezena de pessoas afirmavam a falta de fé ou de crença no mais importante conteúdo individual, que, ou desprezavam, ou ignoravam ou afastavam os sentimentos sob a forma de pessoa viva, real e contemporânea ao seu próprio ser: não acreditavam em si, nem no próximo.
a fé no sentimento forte de dedicação total, acrescido de amizade, respeito, alegria, entrega e recebimento de tudo o que vem do outro, comummente designado por amor, contrastava totalmente com as dezenas de pessoas amigas que o procuravam, enquanto outras, erradas nos fundamentos para a decisão, se afastavam.
surpreendido com a procura, não teve oferta suficiente; se houve consequências económicas, a maior delas foi fazer com que o procurassem segundo o efeito de substituição e não em si mesmos, na vontade de mudar e sobretudo de acreditar - em si e nos outros. quem se afastava, porém, parecia encadeada num movimentode compromisso seguro, apesar de renitente e de demonstração.
para piorar, ofereceu uma das melhores refeições que o dinheiro podia proporcionar, segundo parcos rituais, disfarçados nas ofertas simbólicas que, tinha a certeza, nunca compreenderiam (o chá e o sake) como forma de despedida.
percebeu, no somatório de dias, de pessoas e de situações, que o fim estava presente e eminente. ainda assim teceu curtas interrogações que pudessem, não favorecê-lo, mas despertar os sentidos das interlocutoras da sua vida.
perguntou-se, convicto, que espécie de distorção carregava ele no espírito feito alma, que lhe não permitia, com toda a humanidade, exercer o poder do choro e aliviar-se da dor que sentia e que teimava em ocultar aos resquícios de família que ainda sentia ter por perto, mas não em plenitude.
efeito da excelente bebida oriental comprada, bebida de um trago, não podia querer levantar-se de onde nunca caíra - o único alimento em vários dias.
ficou-se.
não era a recusa que o destruía - era a falta de confiança.
mas no pouco que ainda tinha de racional, percebeu que era uma variável fraca, de muito baixo peso, na função mudança de quem queria.
porque tinha cometido o mesmo erro, perdoou sem qualquer dificuldade que alguém pudesse entregar-se a uma imagem de pessoa sem substância, de construção ideal alicerçada sobre pose e mentira - facto comumente conhecido de todos quantos, do meio, o diziam em surdina, menos de quem não queria ver.
resignado e estático, vazio e suficientemente consciente para saber que estava vivo, mas insuficientemente empedernido para continuar o afastamento total da realidade, pensou ainda que poderia haver, como sempre havia defendido, um motivo qualquer para que tudo se passasse segundo o código de suporte da mágoa. ofereceu a dor e todo o bem que pudesse ter feito, para remissão das suas culpas e de terceiros e caiu de joelhos.
amanhã seria outro dia e teria de parecer amar a vida, sem sentido, sem rumo, sem conteúdo nem hipótese de gestão - era esse o símbolo que sentia ter passado.
percebeu a alegria em que andava, despedindo-se de todos para um ano vindouro, com cópias de alegria e entusiasmo de outros tempos, esperando que a reencarnação fosse um facto verdadeiro e não apenas plausível. não gostou do que identificou, mas não combateu o sentimento.
percebeu-o, assumiu a sua existência, mas não o abraçou.
acordado por uma estranha viscosidade externa, adiou, sem saber porquê, o acto de desligamento da máquina que o sustinha e escreveu.
de repente, viu-se a combater a falta de fé própria.