- onde estás? - aí. - como estás? - bem, aqui; - como te sentes? - preso entre o que não sei, o que sei que não tenho e o que não sou. - o que posso dizer? ou fazer? - emenda-te, que eu, já não tenho espaço nem tempo, se não para ser o que sou.
Duas raparigas, três cães e a pesca - é tudo o que lhe resta, naquele ar arrumado, asseado, calmo, enquanto explica a origem da familia ao interessado petiz, mas com pormenores que não lhe interessam de todo.
Um pescador educado que reaje com educação a quem lhe chega ao pesqueiro e o partilha sem resmungos, nem fronhas expressivas.
Olho atento à possibilidade de fiscalização, fala varrendo com o olhar em volta, aproveitando para dizer mal dos polícias.
A conversa torna-se-lhes fácil perante interesses óbvios. Ele é pequeno mas sabe já (pelo tio) do isco coreano e de outras artes que tais: das correntes e dos ventos; das marés e das águas turvas; da tralha e do empate. O que ele quer mesmo saber é que peixe há ali, na Foz, duplicidade de designação, com raíz geográfica e nome de terra.
Os peixes agradecem o marisco que vão depenicando sem morder o anzol.
Não é por o sol ter enfraquecido que percebo o frio no vento - é pelo dedos enregelados que nem deixam sentir a queimadura do fio de nylon que corre rápido, à mão, só para entreter a vista.
A noite chega e com ela me fico; à mesma temperatura e a ver o mesmo, que o mesmo é dizer que nada.
Devagar, sem ver bem os caminhos (dos quais apenas sei que estão lá) vou pondo o pé e deixo-me guiar pela luz que sai deles - resquícios de fé no Amor e noutros sentimentos que alimentam as discussões intelectuais sobre o fundo primordial da natureza humana.
Enrola-se a trela como se fosse o pecurso da vida e segue-se - ainda que com inveja de quem, á nossa volta e não sendo gente, é como a gente feliz, aos pulos, altos.
"Não. Depois de tudo o que vivi e depois de tudo o que tentei transmitir, acredito que não és como dizes.
Se de repente sentires de novo que não sabes o que queres e quanto o queres, não é uma atrapalhação, não é uma fase menos boa, nem é exitação fruto de uma determinada conjugação dos astros que influenciam a tua capacidade de decisão.
É mesmo um problema na tua personalidade - que é falha de coragem e especialmente de dizer a verdade e enfrentar a verdade das coisas, a verdade da vida e a verdade das coisas na vida."
chove mesmo muito bem. a luz dos candeeiros ao fundo ilumina riscos transversais da chuva que tinha sido anunciada pelos sons dos barcos que se ouviam em terra.
os canaviais sopram-se uns aos outros com o vento gelado que os consegue passar.
as passadas que se ouvem são calmas, pesadas, chapinhadas e contrastam com a delicadeza de patitas apressadas conta as madeiras do chão, o que produz um som meio estranho, mas conhecido, algo musical.
sem se perceber quem acompanha quem, surpreendem-se com aquele xilofone inesperado. baixo.
sem abrigos, sem amparos e sem frio.
no cruzar com outros, nem por fora se percebe qual a diferença entre eles e os que ali passam sózinhos a não ser que uns fazem muito mais barulho a pensar.
ao meu sorriso, a coincidência de me mostrarem os dentes numa espécie de devolução de simpatia. sacudimo-nos. o quente não é, nem está em casa.
está ali, entre o escuro e o silêncio de se saber com quem não se está.
mas quem és tu para mandar recado gaiteiro como se fosse puto caseiro? mas quem és tu para vires assim soprar ideias minhas no meu ouvido? mas quem és tu para me dizer o que sou quando apenas sou contido? mas quem és tu para me dizer onde estou só porque me tens por perdido mas quem és tu para ousar sequer pensar que sabes quem sou, quando no que te digo apenas lês sons
tons que vês como frases soltas ou palavras em teias envoltas?
eu, sou eu: sou este! sou bem mais que uma frase dita bem mais do que um desejo solto mais do que uma ideia ida bem mais de que uma hora maldita sou mais que um rio revolto
bem mais do que ar num sopro
muito mais que aquilo que vês porque eu, sou eu!
sou vida feita a pulso moldado em ferro malhado de tanta pancada levada esculpido em duro granito de tanta coisa perdida de tanto erro cometido
de enxerto do inferno sou feito nesta terra bendita no chão de pregos me deito como se em relvas andasse
numa disputa de vidas na vida me levo a perceber
eu?? antes partir que torcer!
porque eu, sou eu!
sou essa prancha sem vaga sou este espírito maldito neste Ser aprisionado mas sou eu! e tu,